Por muitos anos, a literatura baiana viveu num certo limbo dentro do mercado editorial brasileiro. Obras potentes, inovadoras e sofisticadas acabavam publicadas por editoras pequenas ou em tiragens limitadas, e mesmo quando chegavam às grandes casas editoriais, raramente alcançavam a repercussão que mereciam.
Mas esse cenário felizmente começou a mudar, desde que Torto Arado arrombou a porta com Itamar Vieira Junior mostrando que a literatura baiana não apenas tem voz, como também fôlego, alcance e urgência. De maneira que, em 2025, uma nova leva de livros assinados por autores baianos vem chamando atenção em todo o país.
Como a Roda Cultural não podia ficar de fora dessa, fizemos uma curadoria com cinco obras que estão dando o que falar, e que merecem ser lidas, relidas e celebradas. Aqui vão elas:
1. Coração sem medo, do próprio Itamar Vieira Junior
Encerrando a Trilogia da Terra iniciada com Torto Arado e seguida por Salvar o fogo, Coração sem medo desloca o foco para os impactos do êxodo rural e da urbanização forçada. A protagonista, Rita Preta, operadora de caixa e mãe de três filhos, vive em Salvador quando o desaparecimento do filho mais velho a força a revisitar seu passado: a infância no campo, a separação da família, os conflitos não resolvidos com a avó Carmelita.
A busca por respostas a conduz de volta à terra natal, ao mesmo tempo em que mergulha na herança de violência que marcou sua trajetória e a de seus antepassados. Como nos livros anteriores, Itamar constrói uma prosa comovente e precisa sobre desterro, pertencimento, corpo e território. Mas Coração sem medo é também uma narrativa sobre imaginação e memória — e sobre o poder das histórias que insistem em ser contadas. Uma verdadeira história da gente brasileira.

2. Cartografias para caminhos incertos, de Ian Fraser
Com ecos de Gabriel García Márquez e do realismo mágico latino-americano, Ian Fraser entrega um romance luminoso, delicado e profundamente brasileiro. A trama gira em torno de Mané, um sujeito tão comum que ninguém se lembra de seu nome de registro, apaixonado por Jeremias e em busca do beijo ideal — aquele capaz de provocar uma revoada de borboletas amarelas. Para isso, precisa reencontrar Redenção, sua cidade natal mágica e errante, guardada por uma pedra encantada que a torna invisível a qualquer tecnologia.
Ao longo da jornada, Ian costura uma ode ao cuscuz, ao cordel, ao repente, aos saberes das avós, aos causos impossíveis que só fazem sentido nos interiores da Bahia. Com linguagem encantada e um ritmo oral que lembra as boas rodas de conversa à sombra, Cartografias para caminhos incertos se firma como um dos romances mais originais do ano.

3. Ensaios de despedida, de Elisama Santos
Depois de sua estreia com Mesmo rio, a psicanalista e autora best-seller Elisama Santos retorna ao romance com uma história delicada, dolorosa e afetuosa. Em Ensaios de despedida, conhecemos Cristina, advogada que, após vinte anos de casamento, decide deixar a família e escreve uma série de cartas à filha para explicar suas motivações.
Narrado em formato epistolar, o livro atravessa gerações de mulheres, desmontando silêncios, ausências e padrões afetivos que se repetem no tempo. Trata-se de um romance sobre maternidade, subjetividade, solidão e coragem. Com naturalidade, Elisama trata de protagonistas negros sem estereótipos, inserindo-os na vida cotidiana em sua plenitude e contradição. Uma narrativa que se lê com o coração aberto e os olhos atentos.

4. Josephine, minha neguinha, de Breno Fernandes
Indicado ao Prêmio Oceanos, o oitavo livro de Breno Fernandes talvez seja, nas palavras do próprio autor, sua “lira dos vinte anos”. Escrito entre os 22 e os 28, e lançado apenas agora, às vésperas dos 40, Josephine, minha neguinha é um conjunto de contos que combinam irreverência, lirismo e baianidade.
O tempo de maturação da obra se reflete na consistência do estilo, na precisão das imagens e no equilíbrio entre invenção e fascínio. Como ele mesmo diz, talvez a literatura, como o amor, dependa de empenho e de sorte — e aqui, as duas coisas parecem ter finalmente se encontrado.

5. Tá pensando que tudo é futebol, de Franciel Cruz
Figura folclórica da cena soteropolitana, o cronista Franciel Cruz lança este ano um livro que é, ao mesmo tempo, um golaço e uma rasteira na indiferença. Tá pensando que tudo é futebol? reúne suas crônicas sobre esporte, política e cultura com o estilo cortante, popular e refinado que o transformou em um dos maiores cronistas do estado.
Franciel é para a Bahia o que Luiz Antonio Simas é para o Rio: um griô das esquinas, um contador de histórias que vive entre o bar, o jogo e a literatura. O livro foi lançado em várias capitais brasileiras, com sessões lotadas e público eufórico, mesmo tendo sido publicado de forma independente. Um testemunho da força da palavra quando ela fala com verdade — e com graça.

Potência da literatura baiana contemporânea
Não seria exagero dizer que estes cinco livros reafirmam a potência da literatura baiana contemporânea e mostram que, mais do que viver um bom momento, ela está construindo um presente incontornável no cenário nacional. Entre vozes já consagradas e outras em plena ascensão, o que se vê é uma produção viva, corajosa e cada vez mais diversa.
E você, tá esperando o quê pra mergulhar nessas páginas?






