‘Uma história da velhice no Brasil’ trata de como se deu a construção da velhice ao longo de quatro séculos no país e suas implicações
O Brasil está envelhecendo. Isso é um fato que os dados oficiais comprovam: em 2023, ano do último censo do IBGE, o número de brasileiros com mais de 65 anos cresceu 57,4%, totalizando 22,2 milhões de pessoas, ou 10,9% da população. Atenta à questão, a historiadora Mary Del Priore estudou como o envelhecimento foi vivenciado e representado no país, do século XVI ao século XX, traçando uma relação com os dias atuais.
O estudo é a base para ‘Uma história da velhice no Brasil’ (Editora Vestígio), que ela lança em Salvador nesta quarta-feira (10), a partir das 18h30, na Livraria LDM do Shopping Bela Vista. Na oportunidade, haverá sessão de autógrafos e um bate-papo entre a autora e a também historiadora e professora Lizir Arcanjo.
Com humor, o livro traça um painel da velhice de homens e mulheres ao longo de quatro séculos, utilizando documentos históricos, jornais, memórias, correspondências e depoimentos literários. Assim, se dedica a preencher uma lacuna na historiografia nacional, trazendo à tona o papel dos idosos em diferentes períodos e sociedades.
Velhice historicamente construída
A ideia surgiu de experiências pessoais da autora e da observação do contexto atual, onde o “velho” passou a ser tema de debates e reflexões. Mary Del Piore investiga a maneira como a velhice foi construída historicamente, desde os primeiros habitantes indígenas até os desafios contemporâneos da terceira idade. A historiadora parte de uma premissa fundamental: a velhice não é um estado meramente biológico, mas um fenômeno social e cultural que se transforma ao longo do tempo. Diferentes sociedades tiveram distintas formas de encarar o envelhecimento, o que reflete seus valores, crenças e modos de vida.
A história mostra que tivemos velhos capazes de desenhar seu futuro e que não se restringiram àquele que lhes apontaram. Velhos que advertiam e que se divertiam. Velhos que reivindicaram e tiveram voz. Velhos que ‘esperançaram’ e se frustraram. Que carregaram em si a criança que foram e o ancião em que se tornariam. Que, depois de comandar a própria vida, simplesmente ficaram velhos. Para eles, envelhecer não era um crime punido com exclusão, mas um fato que variou segundo a condição física, geográfica, social, racial, de gênero, de crença etc. Impossível etiquetá-los, escreve Del Priore.
Guardiões x decadência
Nas sociedades indígenas pré-coloniais, por exemplo, os anciãos eram considerados sábios e tinham funções fundamentais dentro das tribos, como conselheiros e guardiões da memória coletiva. Com a chegada dos colonizadores europeus, o conceito de velhice passou a ser influenciado pelas concepções cristãs e renascentistas, que associavam o envelhecimento à decadência do corpo e ao pecado.
A partir do século XX, com o avanço da medicina e a criação de políticas públicas voltadas para a população idosa, a percepção da velhice começou a mudar. Hoje, o envelhecimento da população brasileira tem sido acompanhado por debates sobre aposentadoria, mercado de trabalho para os idosos e a importância do envelhecimento ativo. No entanto, o preconceito etário, conhecido como “ageísmo” (ou “etarismo”), ainda é um desafio a ser enfrentado.
Historiadora-referência
Mary Del Priore é uma referência para os estudos históricos acerca do Brasil. Com pós-doutorado na École des hautes études em sciences sociales, de Paris, França, já escreveu mais de 50 livros, multi-prêmios. Sócia honorária do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), é autora dos volumes de História da Gente Brasileira e de dezenas de obras que esclarecem fatos e personagens do Brasil, com destaque para a participação feminina na formação do Estado e da Nação. Em 2022, foi eleita membro da Academia Paulista de Letras.







